TREM NOTURNO PARA LISBOA
Pascal Mercier/ Peter Bieri,
Record, 6ª edição, 2010
Tradução: Kristina Michahelles
No princípio eram as trevas e
elas habitavam Berna, eis que um vento sombrio, seguido de uma lufada, impede o
salto do anjo Gabriel de uma ponte, já sem os sapatos e sem asas. Este, transmite a boa nova: A língua
portuguesa.
Um trem. Um bilhete. Um destino
inusitado. Um acaso. Uma ideia na cabeça. Um trem para Lisboa.
Com esta epifania nos sugere o
autor embarcar com seu herói para o inusitado, em busca de si mesmo, a um tempo
que não lhe pertenceu, movido pelo mote do imaginário livro “Um ourives das palavras”,
Amadeu Inácio de Almeida Prado – Editora Cedros Vermelhos, Lisboa, 1975.
Os “livros” seguem em dois
comboios, paralelamente e lentamente, como lentamente deve seguir o trem,
permanecendo em constante movimento e se possível nunca parar. Lentamente,
também, ocorrem as mutações, perceptíveis, as vezes e outras não, ao nosso
herói Gregorius.
Tecnicamente e estruturalmente
o livro é perfeito, coeso e verossímil, Marcier o constrói, amarrado as
possíveis referências do enredo, fecha as possíveis indagações, pois as cita,
tais como “O livro do desassossego” – Bernardo Soares – semi-heterônimo de
Fernando Pessoa.
O exercício que fiz, foi ler
inicialmente “Trem noturno para Lisboa” e depois ler separadamente “Um ourives
das palavras”. Lidos isoladamente têm-se uma percepção diferente, o primeiro escrito
com tintas germânicas glaciais e o segundo escrito com tintas ibéricas viscerais. Proeza louvável. Como se um semi-heterônimo de Peter Bieri o fizesse.
Tintas essas, de percepções de
mundos diferentes, revelam personagens exaustos, a impotência de
ação diante do acaso a que estão destinados, a de serem os
fiéis depositários de vidas alheias, vergados diante do passado político, como
os portadores da doença de Bechterew. O
peso de si e do coletivo. Não se sabe o que é pior: o
pessimismo ibérico ou a frieza alpina.
Por analogia, Gregorius tem
como conselheiro um oftalmologista, além dos exames de refrações, este, sempre
lhe indicava o caminho, até encontrar outro oftalmologista que lhe deu novos
óculos a fim de ver, claramente, o que antes não via.
Nem sempre, um canivete e um
relógio - ambos suíços, úteis e precisos -, têm utilidade, principalmente quando
o problema a ser solucionado não carece de tais ferramentas.
O destino final Berna, a bordo
do "Trem soturno para Berna", suscitará outro
mote: “Le silence du monde avant les mots” - O silêncio do mundo antes das
palavras -, nosso fiel escudeiro volta à Berna, com um conceito diferente da
palavra 'glória' que uma vez dita em português não há igual.
Quer conhecer uma pessoa? Viaje com ela.
Quer conhecer uma pessoa? Viaje com ela.
Bem-vindos a bordo. Vale a
leitura.
E eis que tão rico comentário nos desperta para outro livro. Estamos aguardando pelo seu, Célio, após essa riquíssima viagem literária.
ResponderExcluirE eis que o seu riquíssimo comentário nos remete a outra viagem, Célio: estamos aguardando o seu livro, que nos fará embarcar em outra viagem literária. Parabéns!
ResponderExcluir